A vegetação florestal de Caatinga é o principal tipo de cobertura da terra, no ecossistema do semiárido brasileiro.
Por Larissa Valentim
A concentração de CO₂ na atmosfera apresenta alta variabilidade interanual devido à sua absorção pelos ecossistemas terrestres, oscilação essa controlada por diferentes regiões biogeográficas, sendo o comportamento desses “sequestradores” de carbono condicionado, principalmente, às florestas altamente produtivas, como as tropicais úmidas. Essa dinâmica, consensuada até então, agora conta com um novo fator de influência, pois, nas últimas décadas, observou-se que os ambientes semiáridos também interferem no processo de supressão desse composto químico.
Baseados nessa observação, pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), do Observatório Nacional da Dinâmica da Água e de Carbono no Bioma Caatinga (ONDACBC), da UFRN, UFCG, UFOPA e da UFPE afirmam, no artigo científico “Seasonal variation in net ecosystem CO₂ exchange of a Brazilian seasonally dry tropical forest“, que o bioma Caatinga atuou como sumidouro de carbono atmosférico durante os anos de 2014 e 2015. A publicação destaca, também, a importância desse ecossistema, “pelos vários outros serviços que nos presta, como a conservação do solo e da água e a oferta de recursos (alimentos, forragem para os animais, lenha etc) que dão sustento a milhões de pessoas que vivem na região”.
A constatação relativa ao confisco do CO₂, segundo os professores Antonio Antonino e Rômulo Menezes, do Departamento de Energia Nuclear da UFPE, coordenadores do INCT-ONDACBC, “desmistifica algumas incertezas sobre a Caatinga, uma vez que foi descoberto que, nesse período, o fenômeno da perda do dióxido de carbono para atmosfera, ou respiração, foi razoavelmente baixa”. Entretanto, aponta o estudo, a eficiência do uso do carbono é alta e “o equilíbrio, ou seja, a fixação de CO₂, foi comparável a algumas florestas tropicais úmidas, como Amazônia”. Além disso, as temperaturas do ar e do solo foram “os principais fatores responsáveis pela variabilidade diurna dos fluxos de carbono”, segundo a pesquisa.
Os resultados mostram, ainda, que “a dinâmica do balanço de carbono do bioma Caatinga é intrínseca e está relacionada com a sazonalidade das chuvas, com o sequestro de carbono máximo nos meses úmidos e mínimo durante os meses de seca, devido à escassez de água no solo”. Mas, mesmo durante a estação de seca, entre 2014 e 2015, a Caatinga foi considerada um sequestrador de carbono. A pesquisa revela que a duração do período úmido e a precipitação total acumulada modulam o comportamento das taxas de fixação de carbono no bioma e que essa ação do bioma como sumidouro está relacionada às condições meteorológicas, variabilidade sazonal e anual e padrões de correlação e fatores climáticos.
Para os professores Antonino e Rômulo, os resultados apontam que “as mudanças na temperatura máxima do ar são susceptíveis de afetar não apenas o real balanço de carbono no bioma Caatinga, mas também a modelagem dos balanços de carbono do ecossistema”. Os pesquisadores também comentam no artigo que, como o estudo foi realizado num período de seca extrema, “é esperado que, em anos com chuvas mais intensas e bem distribuídas, a Caatinga será ainda mais eficiente em usando/assimilando carbono e acumulando biomassa”.
O estudo foi realizado em um fragmento da Caatinga bioma na Estação Ecológica do Seridó (ESEC-Seridó), onde está instalada uma das torres de fluxo atmosférico do INCT-ONDACBC, localizada entre os municípios de Serra Negra do Norte e Caicó, no estado do Rio Grande do Norte, na região do semiárido brasileiro. O espaço é uma unidade de conservação do bioma Caatinga, administrada pelo Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com área de 1.163 hectares de Caatinga preservada, caracterizada por uma seca floresta xerófita com arbustos esparsamente distribuídos e pequenas árvores (menos de 7 metros de altura) e manchas de ervas que prosperam apenas durante a estação chuvosa e são reduzidas a serapilheira durante a estação seca.
AQUECIMENTO | Os estudiosos defendem que o papel crucial da chuva na variabilidade dos sumidouros terrestres de carbono foi evidenciado por anomalias nos dados observados do ano de 2011, e que a causa mais plausível para esta anomalia, de acordo com a pesquisa, foi a expansão da vegetação semiárida no hemisfério sul, particularmente na Austrália. “A variabilidade interanual em sumidouros terrestres em escala global também está associada ao aquecimento, devido à intensificação da respiração do ecossistema; esta aparente sensibilidade da respiração sugere que o carbono armazenado nas florestas tropicais secas pode ser vulnerável a um cenário futuro mais quente”, destacam os pesquisadores, que se mostram preocupados com a Caatinga neste sentido.
A vegetação florestal de Caatinga é o principal tipo de cobertura da terra no ecossistema do semiárido brasileiro, “onde as projeções indicam um aumento de até 1° C na temperatura média do ar durante as próximas três décadas (2020-2050), bem como uma diminuição de até 20% na quantidade de chuva”, afirma o artigo. Observações recentes também apontam para um aumento sistemático nos extremos climáticos no semiárido brasileiro. Além disso, há evidências de uma intensificação da aridez e da expansão das terras semiáridas no Nordeste brasileiro, que podem diretamente influenciar na dinâmica da Caatinga.
Os pesquisadores ressaltam a necessidade de preservação da biodiversidade do bioma Caatinga pela sua importância no sequestro e armazenamento de carbono. Esse alerta, inclusive, é um dos motores das pesquisas desenvolvidas no INCT-ONDACBC, que é uma rede multidisciplinar de pesquisadores nacionais e internacionais que atuam no desenvolvimento de pesquisas experimentais e de modelagem da dinâmica de água e carbono no semiárido brasileiro. O ONDACBC, sediado na UFPE, foi aprovado na chamada pública MCTI/CNPQ/Capes/FAPS Nº 16/2014 Programa INCT e é financiado pela Facepe, Capes e CNPq.
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Departamento de Energia Nuclear da UFPE
(81) 2126.8252