Para o acadêmico, essa relação “vai além de sinais e sintomas clínicos, e inclui relacionamento em saúde, o papel da espiritualidade, construção de redes de apoio, e encontro de pessoas com enfermidades semelhantes”
Por Renata Reynaldo / Ascom UFPE
A iniciativa resultou na formulação do artigo acadêmico “O Estudante, o Paciente e a Enfermidade“, que foi agraciado com o Ascona Prize for Students 2019, premiação conferida pela Federação Internacional de Balint e Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada dois anos, para estudantes de Medicina comprometidos em inovar a relação médico-paciente. E a proposta, segundo o autor, “parte do preceito-chave de que o advento de novas tecnologias médicas não disputa com a humanização; sendo aliada e ferramenta maior na busca por uma medicina digna”. Para João Paulo Brainer, uma plataforma de comunicação para uso fora do ambiente hospitalar, através de canais físicos e digitais de interação, também pode permitir a troca de experiências, visando ajudar pacientes a lidarem com suas doenças.
Segundo o autor, cada pessoa vivencia sua condição clínica de forma particular, “o que provoca expectativas diferentes capazes de gerar sintomas de ansiedade, repercutindo na saúde mental”. É nesse contexto que Brainer propõe o diálogo entre pessoas com trajetórias diferentes − médico com médico e paciente com pacientes, por exemplo − a fim de gerar pertencimento social e aceitação. Para ele, essa atitude de interação “contrapõe-se à visão tecnicista que entende a pessoa como mero intermediário entre a enfermidade e seu antídoto”. E, como alternativa para impulsionar esse vínculo, o estudante aponta o Deep Learning, “um ramo da Inteligência artificial que busca propor soluções em saúde de sorte a aumentar a acurácia diagnóstica e disseminar o cuidado médico para regiões com menor acessibilidade aos serviços de saúde”.
Segundo o estudante, essa ferramenta já é implementada em diferentes áreas da Medicina como a Cardiologia, Imaginologia e Clínica Médica. O que ele propõe de novo é a adoção dessa estratégia, também, no campo da humanização do atendimento. E justifica: “Na Medicina, empatia é se imaginar projetado do outro lado da mesa, vivenciando integralmente o paciente; daí, a criação de grupos de troca de experiências são essenciais também para médicos visando aprender a lidar com emoções que, muitas vezes, são relegadas a segundo plano na rotina de trabalho”. E, para ilustrar essa dificuldade, o estudo aponta que, no Brasil, a médica mulher vive em torno de dez anos a menos do que a população em geral e, se for homem, três anos a menos. E mais: a taxa de suicídio também é maior na classe médica, além de, após cursar a faculdade de Medicina, a chance de desenvolver hipertensão aumenta em até duas vezes.
CONTEXTO | A fim de retratar a realidade do país no quesito da satisfação dos beneficiários da saúde pública, o artigo aponta que mais de 70% dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) o avaliam como ruim ou péssimo (pesquisa da Confederação Nacional da Indústria-2018) e que, durante uma consulta, o médico interrompe seu paciente em média a cada dez segundos. O autor atribui essas lapsos no diálogo ao fato de o médico focar sua abordagem na busca pelo diagnóstico, deixando de lado o ser humano por traz da doença. E alerta: “O volume grande de pacientes a serem atendidos diariamente no SUS resulta em consultas com tempos mais curtos, estando associadas a piores resultados em saúde e colocam os médicos em maior risco de desenvolver distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, o burnout.”
Para o autor do artigo, que ainda reporta durar em torno de sete minutos um atendimento com um profissional médico no Brasil, “fica claro que o estabelecimento do vínculo entre os dois polos de uma consulta é prejudicado pela duração e forma como ocorre esse contato, o que diminui a qualidade do atendimento e a confiança no serviço”. E, como sugestão, João Paulo Brainer aponta “a atuação do profissional da Medicina, nesse contexto, pode ser ferramenta-chave para aprimorar tais índices pois, além de questões estruturais e políticas, estabelecidas no nível dos órgãos competentes de gestão, o profissional de saúde, em sua individualidade, é capaz de exercer um papel de protagonismo nesse processo e produzir efeitos inovadores na saúde pública”.
LINGUAGEM | Partindo da constatação de que o tempo de duração de uma sessão médica é um dos fatores relacionados à satisfação do usuário com o sistema de saúde, o autor do estudo defende que é na primeira consulta que o médico é percebido pelo paciente, portanto, este deve investir mais tempo no primeiro atendimento para que os acompanhamentos subsequentes sejam mais rápidos e, também para o desenvolvimento do vínculo e confiança. “Países como a Suécia adotam essa postura, tendo elevado grau de satisfação dos usuários. Um vínculo bem estabelecido aumenta a adesão ao tratamento e, consequentemente, melhora o prognóstico”, atesta ele. O artigo revela que, no Brasil, mais de 30% dos pacientes com doenças crônicas, como hipertensão ou diabetes, abandonam a conduta prescrita nos dois primeiros anos.
Brainer entende que adequar a linguagem ao paciente, de forma acessível e evitando o uso de jargão e linguagem técnica − “o que é visto como um dos principais fatores para reverter esse quadro de falta de vínculo” −, é um caminho a ser perseguido. “Pacientes, ocasionalmente, atribuem à figura do médico uma visão idealizada passível de provocar sintomas ansiosos quando no consultório, inseguros para expressar possíveis dúvidas sobre a conduta. É responsabilidade do medico garantir que a mensagem seja compreendida por aquele que recebe o cuidado”, analisa o autor.
Como atitude para contribuir de forma significante a fim de maximizar o grau de instrução sobre a enfermidade, o estudante da UFPE propõe que se “encoraje pacientes a escreverem perguntas, pesquisarem sobre suas doenças e sanar dúvidas em atendimentos posteriores, pois assim estimulam o autoentendimento sobre sua moléstia.” Segundo ele, evitar o uso de expressões gerais ao se referir ao paciente, preferindo sempre o chamar pelo nome, continua sendo padrão-ouro para manter o engajamento ao que está sendo dito e, referir-se ao indivíduo pela sua condição clínica é um fator desumanizante que reduz a pessoa a sua enfermidade. “Pessoa com epilepsia é um termo preferível a epiléptico”, exemplifica.
“A comunicação não verbal é outro fator que merece destaque pela sua importância no ambiente médico.” Assim, o estudante defende que gestos como abraçar profissionalmente o paciente ao comunicar uma noticia ruim denotam empatia e participam do processo de cuidar. “A Medicina praticada exclusivamente com medicamentos reduz a capacidade do ser humano de lidar com sua doença, e em, ultima análise, prejudica a recuperação”, afirma. Mas o graduando de Medicina da UFPE também defende que “a humanização na sua profissão não deve apenas ser enxergada como boa prática médica, mas sim como ferramenta para maximizar a cura e controle de doenças bem como minimizar sofrimento nos cuidados de fim de vida. Por esse motivo, a tecnologia, aliada no processo, complementa, mas não substitui, o contato médico”.
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