O estudo do professor e pesquisador do Departamento de Botânica, Felipe Melo, identificou que, atualmente, 11 milhões de hectares de área do bioma, já mapeados como de extrema importância para sua conservação, coincidem com áreas de exploração e expansão das atividades eólicas
Por Maik Santos
Responsável por 86% da produção energética do segmento no país, os parques de Energia Eólica no Nordeste estão entrando em conflito com a preservação de áreas da Caatinga. A descoberta foi divulgada num artigo, publicado em agosto deste ano, e o trabalho é resultado de pesquisa de Felipe Melo, professor e pesquisador do Departamento de Botânica da UFPE, que vem fazendo observações sobre os impactos das eólicas na Caatinga há oito anos.
O estudo identificou que, atualmente, 11 milhões de hectares de área do bioma, já mapeados como de extrema importância para sua conservação, coincidem com áreas de exploração e expansão das atividades eólicas. Atualmente, cerca de 78% das turbinas eólicas de todo o país estão dentro dos domínios da Caatinga. Para o autor, essa é uma situação potencialmente perigosa já que “a Caatinga a é uma das ecorregiões menos protegidas do Brasil, totalizando menos de 10% das áreas legalmente protegidas, das quais menos de 2% é estritamente protegida”.
Além disso, o pesquisador alerta que é possível prever que o conflito entre a preservação do ecossistema e da expansão da produção de energia deve se intensificar. “Os planos de expansão do setor eólico preveem o estabelecimento de 14.696 novos aerogeradores, de quais 84,6% serão instalados na Caatinga”, explica Felipe Melo no artigo. O mapeamento dessas áreas ocorreu de forma bem simples, cruzando dados fornecidos pelos Ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia, cruzando os mapas das zonas de interesse para a conservação da Caatinga com o mapa das localizações das turbinas eólicas em funcionamento e planejadas.
PREJUÍZO | Melo também fala sobre como esse conflito já tem prejudicado a preservação do bioma ao citar casos como o de Boqueirão da Onça, na Bahia, onde sua criação e desenhos foram afetados por conflitar com interesses das companhias de energia eólica. Já em Pernambuco, leis ambientais estaduais foram modificadas ou extintas para “facilitar” empreendimentos eólicos. O autor explica que, no estado, chegou-se a mudar a lei de proteção permanente de áreas de altitude, passando de 700 m para 1.100 m, numa tentativa explicita de se favorecer as usinas eólicas. Isso teria chamado a atenção do grupo de pesquisa, pois colocava em conflito duas estratégias de proteção do meio ambiente, a regulação de uso da terra de áreas sensíveis (zonas altas) e a geração de energia renovável. Outras regiões de Caatinga muito visadas pelas usinas de energia eólica ficam o centro-oeste da Caatinga, ao longo da Serra do Espinhaço e suas continuações, e na franja litorânea entre Rio Grande do Norte e Ceará.
Segundo reforça o estudo, apesar de ser uma alternativa sustentável para a produção de energia, as turbinas eólicas não estão livres de causarem impactos socioambientais. “Primeiro, há impactos diretos sobre a biodiversidade, principalmente da fauna alada (aves e morcegos) que se choca com frequência com as pás das turbinas”, esclarece o autor. Ele ainda acrescenta que “há outros problemas quanto às restrições ao uso de solo nessas áreas que, por segurança, é limitado. No entanto, isso tem gerado protestos importantes por parte de comunidades tradicionais que perdem ou têm limitado o direito de ir e vir por regiões ancestralmente usadas”. Como exemplo, o artigo aponta o conflito gerado na Ponta Tubarão, no Rio Grande do Norte, onde as eólicas impediram o acesso à praia pela rota ancestralmente usada por pescadores da região e prejudicou o turismo em praias que se viram poluídas visualmente pelas hélices.
Em tempos de crise ambiental, aliar desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente é um dos principais objetivos da atualidade. A expansão da infraestrutura deve, portanto, ser acompanhada de maior proteção à biodiversidade e à melhoria da pobreza para atingir as metas de desenvolvimento sustentável. Para Felipe, criar novas unidades de conservação da Caatinga não pode ser visto como um entrave à expansão do setor de energia eólica.