A diferença (nem sempre sutil) entre chefes e líderes
Bruna Siqueira Campos
Ao longo da minha vida profissional, a maior parte dela em redações, tive chefes de todos os tipos. Mas a fama de uma delas – quase sempre, eram mulheres – precedia sua pessoa. “Braba”, como dizemos aqui no Recife, “reservada” ou “exigente” eram o mínimo.
Recém-chegada do Japão depois de três anos morando fora, assumi um cargo de gerência em uma grande entidade, mas sentia falta da redação, que considerava meu “habitat natural”. Então surgiu um convite inesperado para editora-assistente na área em que eu estava acostumada a trabalhar, novamente em um jornal. Não hesitei e topei uma conversa.
A famosa diretora, naquela altura considerada uma “lenda” entre os repórteres mais novos, foi quem me recebeu. Ao me apresentar à gestora do RH, soube que minha visita àquela casa seria praticamente de cortesia, pois a mesma tinha feito inúmeros elogios ao meu currículo.
Comecei na empresa no mesmo mês e, inicialmente, não tínhamos muito contato. Via como ela respirava a vida da redação, lutava pela qualidade da notícia e não aliviava as críticas para ninguém. As broncas, muitas vezes, vinham em alto e bom som, sem constrangimentos.
Então surgiu a oportunidade de migrar para a internet e, nesta seara, pude crescer. Participava da criação de seminários, novos blogs, integração do impresso com o online. Foi naquela época que nos aproximamos e entendi como a cabeça dela funcionava: a chefe era do tipo mãe “raiz”. Apoiava nos momentos mais difíceis, mas não fazia o perfil amorosa. Dava um jeito de custear os estudos para os bons jornalistas da casa, incentivava viagens ao exterior, peitava os sócios do jornal para que comprassem nossas ideias.
Da mesma forma, não se constrangia em pedir que a gente ligasse pra uma fonte às 11 horas da noite numa sexta-feira – o que importava era a qualidade do nosso produto, a matéria em apuração.
Essa gestora me deu inúmeras oportunidades de crescimento em quase oito anos de empresa. Lembro que já estava havia quatro anos nesse jornal quando me chamou pra conversar fora da redação, depois do fechamento. Com a aposentadoria de um colega, ela iria me promover a colunista. O desafio me deixou insegura, mas sua convicção ao acreditar que eu daria conta do recado me convenceu.
“Você tem que se proteger do que vai vir. Nem todo mundo vai lhe apoiar”, fez questão de dizer, antes que o anúncio fosse oficializado. Como quem avisa amigo é, realmente eu não soube lidar com a pressão naquele momento e, se me recordo bem, gastei algumas horas da primeira noite após minha promoção chorando. Faltava maturidade para lidar com algo muito comum no mundo corporativo, que é competição e torcida adversária no ambiente de trabalho.
Essa gestora não era afeita a fazer o social da profissão. Não gostava de circular em festinhas, fazer média com os outros, ficar de conversê no telefone com quem não tinha intimidade, mas valorizava a construção de pontes que sua equipe promovia. Perdi as contas de quantas vezes viajei e tive oportunidades incríveis por incentivo dela. É matéria boa? Vai estudar e crescer? Então nos apoiava. Assim foi comigo e com tantos outros que trabalharam sob sua gestão.
No aprofundamento da crise brasileira, o jornal em que trabalhei foi mudando de mãos e as coisas apertando. Equipes encolhendo, trabalho crescendo. Ela segurou a onda como ninguém. Entrei de licença-maternidade e, dois meses depois da volta, fui demitida em meio a uma lista avantajada de profissionais mais bem remunerados. Editores, colunistas, repórteres especiais eram maioria, como bem sabem os que conhecem o termo “passaralho”, cada vez mais recorrente no jornalismo.
No entanto, coerência é algo típico dos profissionais de valor, e nossa diretora-mãe pediu demissão. Deixou a empresa da qual era praticamente sócia, onde atuava há décadas com maestria. E atualmente segue sua vida profissional muito bem, obrigada, em um ramo mais lucrativo da comunicação.
Faz tempo que não trabalhamos juntas, mas sua legião de fãs é daqueles patrimônios que não se dissolvem. Hoje, como gestora de equipe que sou, posso dizer que carrego parte do legado dela e de todos os aprendizados que me ofereceu (não marco ela aqui porque sei que, como reservada que é, talvez não aprovasse a exposição). Contudo, sou muito grata por isso.
E você, que marca gostaria de deixar como líder em sua carreira?