Forças da colonização
Oscar D’Ambrosio
Os complexos conflitos entre imigrantes ingleses e irlandeses e as populações autóctones da Austrália são o eixo central do filme “O Rouxinol”, dirigido por Jennifer Kent. Trata-se literalmente de uma odisseia, no sentido da jornada de uma mulher, interpretada com garra por Aisling Franciosi, para fazer justiça com as próprias mãos.
Após ser estuprada, ter o marido e o bebê mortos e buscar em vão ajuda oficial, essa moça irlandesa, enviada ao exílio na Tasmânia, persegue os executores de sua família apenas com a ajuda de um aborígene, que, por sua vez, vê seu povo e suas tradições serem gradualmente destruídos.
A crueza da violência acentua o poder de denúncia do filme. Ele é para aqueles que têm estômago forte, pois não há glamourização das cenas mais contundentes. A atmosfera da jornada talvez peque pelo maniqueísmo apresentado na relação entre oprimidos e opressores, mas funciona como denúncia de ações reiteradas que não podem ser esquecidas.
Uma leitura possível da opção da diretora está em enfatizar como processos colonizadores são traumáticos. Os três estupros ilustram isso. O colonizador inglês violenta a moça irlandesa, enquanto mulher, no quarto; e depois, novamente, simbolizando a esposa e a mãe, na frente do marido e do bebê. A aborígene estuprada mostra ainda o desrespeito com a cultura local.
Tratar as questões dessa maneira demanda coragem. Perante discursos que pregam a integração harmoniosa entre colonizadores e colonizados, o filme evidencia uma outra visão, já que as forças da violência e do preconceito seriam muito fortes e estariam nas entranhas dos laços entre quem ali estava e quem depois chegou. A ver… E discutir…
Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.