RISCOS | A primeira fase da pesquisa, que contou com 56 mulheres entrevistadas, também revelou “possíveis mudanças na saúde reprodutiva das mulheres e na fecundidade o que, por sua vez, tem consequências demográficas em nível populacional e, ainda, que as grávidas enfrentaram, há cerca de três anos, riscos únicos durante a epidemia de Zika e agora também enfrentam riscos únicos durante essa nova pandemia”. As pesquisadoras, que contaram com a colaboração da professora Sandra Valongueiro (UFPE) e da pesquisadora Ana Paula Portella, doutora em Sociologia pela UFPE, reconhecem que o Brasil conta com fatores que favorecem a disseminação do novo coronavírus, como “abastecimento irregular de água, densas metrópoles urbanas, testes e medidas de prevenção inadequadas, sistema de saúde sobrecarregado e instabilidade política”.
O artigo científico destaca que “como o Zika nos estágios iniciais da epidemia, o novo coronavírus é uma doença infecciosa emergente sobre cujo conhecimento científico ainda está evoluindo enquanto a desinformação sobre a doença prolifera nas redes sociais”. E, as entrevistas em profundidade sobre a gravidez, experiências e intenções reprodutivas durante a pandemia revelaram que mais de 75% das mulheres da amostra citaram o enorme medo e preocupação com a Covid-19 e suas consequências econômicas e para a saúde como motivos para adiar ou evitar a gravidez durante a pandemia.
Sobre a segurança das entrevistadas para assumir o risco de se infectar durante a gravidez, o estudo demonstrou que este componente varia de acordo com o nível socioeconômico. Diz o artigo: “Mulheres com maior nível de escolaridade sentiram que poderiam tomar medidas para mitigar o risco de infecção e da gravidez, enquanto as mulheres com níveis mais baixos de educação não expressaram este mesmo nível de confiança e acreditavam que os riscos estavam fora de seu controle. Essas descobertas reforçam que padrões de infecção de ambos os vírus mostram que nenhum vírus é ‘democrático’, como observou uma mulher em nossas entrevistas recentes”.
PRESSÁGIO | Para as pesquisadoras, os relatos das mulheres entrevistadas pressagiam dramáticas e duradouras mudanças na saúde reprodutiva e fecundidade como resposta à pandemia do Covid-19. “Nosso trabalho e de outros colegas encontraram quedas significativas em nascidos vivos no Brasil após a epidemia da Zika, com as maiores quedas no Estado de Pernambuco e, considerando a posição socioeconômica, o declínio de nascidos vivos foi em grande parte impulsionado por declínios em gestação de mulheres com níveis de educação mais elevados, sugerindo que elas têm mais condições para evitar uma gravidez”.
E, como último indicativo advindo das respostas às entrevistas, o estudo preliminar relevou que, pelo fato de a gravidez suprimir o sistema imunológico, as mulheres se tornam mais suscetíveis a doenças respiratórias, o que as coloca em posição única em meio à pandemia de Covid-19. E mais: a mobilização de profissionais e serviços de saúde para atender a casos de Covid-19 levou ao fechamento temporário de clínicas de pré-natal. Uma das entrevistadas, que estava grávida, revelou que não havia começado ao fazer pré-natal, “pois eles estão tratando só do coronavírus”. Soma-as a isso, outro alerta: “A maioria das 28 mulheres entrevistadas que estavam grávidas durante a epidemia de Zika relatou o alto nível de estresse, ansiedade e incerteza que enfrentaram durante a gravidez”.
RECOMENDAÇÕES | “Esses resultados apontam para a necessidade urgente de ações para apoiar a saúde reprodutiva das mulheres durante a pandemia em todos os lugares”, conclui o artigo. De uma perspectiva de pesquisa propriamente, as autoras entendem serem necessários mais esforços de coleta de dados a fim de garantir melhor compreensão sobre o que os formuladores de políticas públicas de saúde e profissionais podem fazer para melhor distribuir e entregar recursos. “Apoiar a saúde reprodutiva não é apenas incumbência sobre mulheres individuais; requer um coletivo e consistente esforço, especialmente em tempos de crise”, reforçam. |