Qual é o seu sonho? É o artigo de José Ambrósio

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José Ambrósio é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras.

Por José Ambrósio

Fui surpreendido, ontem, com uma pergunta que considero muito interessante da minha netinha Letícia.

– Qual é o seu sonho, vovô?

Ela tem apenas quatro anos e meio.

Respondi que o vovô tem muitos sonhos, sabendo que não a satisfaria. Não deu outra. Voltou a perguntar, agora com maior ênfase, e com um sorriso do tipo “peguei você”.

– Qual é o seu sonho, vovô?

Completei 63 anos de idade recentemente, no dia 1º de janeiro, e já realizei muitos sonhos. E, claro, tenho ainda muitos sonhos. Sim, claro, tenho muitos sonhos, embora saiba que nesse ponto da estrada muitos já penduraram as chuteiras. Há pouco tempo, chegar aos 60 já era um sonho.

Sim, tenho muitos sonhos. Os sonhos relativos à prosperidade da família, de parentes e amigos. Os sonhos ligados à minha atividade profissional, entre eles a publicação de alguns livros. Tem alguns títulos nos quais venho trabalhando desde setembro do ano passado, quando lancei o livro que conta a história da Rádio Comunitária Calheta FM – 20 anos fazendo valer os direitos do povo cabense. Tentando destravar alguns, avançando em outros, reprogramando os que já estavam adiante, por compreender que nem sempre as informações nos chegam no tempo desejado ou estimado, e considerando a questão da viabilização da edição.

Sonhos de justiça social, igualdade, liberdade, solidariedade, tolerância, compreensão, fraternidade.

Mas, como explicar isso a uma criança de quatro anos e meio?

– Qual é o seu sonho, vovô?

Me lembrei dos sonhos desfeitos de crianças, jovens e adultos vítimas da violência que assola Pernambuco e o Brasil e que registra índices alarmantes no Cabo de Santo Agostinho, um dos municípios mais violentos do país. Também dos sonhos de milhares de adolescentes que se encontram enjaulados em unidades de “ressocialização”. Muitos nem conseguem sair. São mortos por rivais ou encontram o ponto final de suas curtas existências durante rebeliões motivadas pelo sonho da liberdade, mesmo que para viver se escondendo, fugindo, sem sonhos, quando conseguem escapar. Quais os sonhos que povoam a mente desses garotos, que em geral tiveram infância sofrida, desrespeitada, violentada, inclusive, em alguns casos, por familiares?

Mas, como explicar isso a uma criança de quatro anos e meio?

Percebendo meu embaraço, minha netinha decidiu facilitar.

– Qual é o seu sonho para hoje de noite, vovô?

Respirei aliviado.

Disse que o meu sonho para aquela noite era que ela dormisse na casa do vovô.

Sorrindo, Letícia disse que aquilo não valia, mas, aí, com outras pessoas na sala – a vovó Edna e a tia Juliana – ela perdeu o foco.
Pouco depois disse que o sonho dela era ser médica. A abracei e disse que o sonho dela era muito, muito lindo.

E você, qual é o seu sonho?

Candeias, 07 de fevereiro de 2020

*José Ambrósio é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras

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