Médico que faleceu com 53 anos, nomeia a Fundação, filantrópica, de caráter educacional, sem fins lucrativos, que tem como principal objetivo manter a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Oscar D’Ambrosio
Há 100 anos, em 5 de junho de 1920, faleceu, em São Paulo, SP, o médico Arnaldo Vieira de Carvalho, que nomeia a Fundação, filantrópica, de caráter educacional, sem fins lucrativos, instituída em 14/9/1962, que tem como principal objetivo manter a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Família
Nascido em Santos, SP, em 5/1/1867, Arnaldo Augusto Vieira de Carvalho foi o primeiro dos seis filhos de Carolina Xavier Vieira de Carvalho (1841-1899) e de Joaquim José Vieira de Carvalho (1841-1899), também oriundos da mesma cidade.
Advogado formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, Dr. Joaquim, em 1881, tornou-se catedrático de Economia Política dessa instituição. Foi ainda foi Juiz Municipal em Campinas, deputado provincial pela União Conservadora e vice-presidente da Província de São Paulo do governo de Francisco Antonio Dutra Gonçalves. Com a República, foi ainda deputado estadual e senador.
Início de carreira
Arnaldo diplomou-se em Medicina, em 1888, pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, mas, ainda estudante, nas férias, já frequentava a Santa Casa de São Paulo, tendo um intenso aprendizado com o médico Pereira Barreto, a quem foi aproximado pelo pai.
Dr. Joaquim também o auxiliou a ser nomeado, entre 1888 e 1889, assistente voluntário da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e médico responsável pela Hospedaria dos Imigrantes, onde trabalhou até 1889, atuando, principalmente na redistribuição dos pacientes em novas alas e na organização do necrotério local para frear a transmissão da febre amarela que se alastrava entre os imigrantes que ali chegavam.
Dr. Arnaldo, entre 1893 e 1913, ocupou ainda a direção do Instituto Vacinogênico, colaborando com a ampliação da produção dos insumos necessários para o combate à varíola, doença responsável por grande número de óbitos naquele momento.
Santa Casa
Na Santa Casa, Dr. Arnaldo ocupou os cargos de médico-adjunto, médico cirurgião e vice-diretor clínico, destacando-se pela organização aos serviços de saúde. Em 1894, foi nomeado chefe da clínica e diretor médico do hospital da Santa Casa, dedicando-se a ampliações e reformas dos serviços assistenciais.
Sociedade de Medicina e Cirurgia do Estado de São Paulo
Dr. Arnaldo, em 1912, fundou ainda a Sociedade de Cultura Artística, que presidiu entre 1912 e 1920. Também criou, em 1914, a Revista Annaes Paulistas de Medicina e Cirurgia em 1914, mas a sua principal ação foi fundar a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, em 1895.
Arnaldo ganhou destaque justamente por encabeçar as reivindicações dos membros da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, para que fosse cumprida uma lei promulgada em 1891 que previa a criação uma escola médica pública no Estado de São Paulo.
Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo
Após um intenso trabalho junto à classe médica e política, o então Presidente do Estado de São Paulo, Francisco de Paula Rodrigues Alves, assinou a Lei nº 1357, de 19 de dezembro de 1912, que implantou a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.
Nomeado Diretor da instituição, Arnaldo foi o responsável pela escolha dos nomes que formaram o seu corpo docente e liderou uma parceria com a Fundação Rockefeller, que buscava bases científicas na América Latina.
As conversações começaram em 1916, com a solicitação do apoio da Fundação para o estabelecimento de duas cadeiras – higiene e patologia –, o que ocorreu em 1918.
Essa parceria resultou na criação de novos departamentos, na formação de estudantes brasileiros em universidades e instituições norte-americanas e no financiamento da construção do edifício-sede da Faculdade, no Araçá; enquanto a construção do hospital-escola da Faculdade de Medicina ficou sob a responsabilidade do governo paulista, sendo inaugurado em 1944.
Atuação médica e social
Dr. Arnaldo participou de todas importantes questões médico-sociais de seu tempo e, com o pseudônimo de Epicarnus, escrevia artigos na imprensa sobre questões de saúde e de organização médica, considerando a Capital paulistana um local de fundamental importância para classe médica, mas com graves problemas sociais.
Nos seus textos, afirmava que a medicina podia contribuir para solucionar diversos problemas com a formação de profissionais cada vez de melhor qualidade e a utilização de técnicas avançadas. Nesse sentido, renovou os métodos cirúrgicos em São Paulo, introduzindo recentes conquistas científicas, praticando, pela primeira vez no Estado, por exemplo, a gastrectomia, cirurgia frequentemente indicada se o câncer está localizado na porção inferior do estômago.
Gripe Espanhola
Em 1918, Dr. Arnaldo foi figura central na luta contra a epidemia de gripe espanhola em São Paulo. Supervisionou a construção de hospitais de campanha, organizou cerca de mil leitos da Santa Casa de Misericórdia, onde era diretor clínico, para o tratamento de infectados e mobilizou os professores e alunos da Faculdade de Medicina para coordenar e atuar nos postos de atendimento médico espalhados pela cidade.
A Faculdade também cedeu, sob sua liderança, laboratórios e pesquisadores que se dedicaram às pesquisas para melhor compreender os efeitos da gripe e buscar formas mais efetivas de tratamento, enquanto a Cátedra de Medicina Legal realizava necropsias e estudos para contribuir no conhecimento da ação da doença no sistema respiratório.
Legado
O falecimento do Dr. Arnaldo, com 53 anos, ocorrido na Santa Casa, devido a complicações de uma cirurgia, gerou grande impacto na classe médica e na imprensa. O prefeito de São Paulo, Firmiano Pinto, por exemplo, enviou uma coroa como homenagem da cidade, assim como Arnaldo de Aguiar, vice-presidente em exercício da Câmara Municipal de Santos.
A Câmara Federal emitiu uma nota de pesar e a Sociedade de Medicina e Cirurgia decretou luto de oito dias, fechando a sua sede social. As faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro também se mobilizaram e designaram representantes para homenagear o falecido.
A Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo também decretou luto por oito dias, suspendendo todos os trabalhos, e nomeou uma comissão para apresentar as condolências à família Vieira de Carvalho.
Quando a nova sede da Faculdade foi inaugurada, em 1931, foi colocado um busto, em bronze, de seu fundador à frente do pavilhão principal do edifício. Isso levou o prédio e, por extensão, à Faculdade a ser conhecida como “a Casa de Arnaldo”. A Avenida Municipal, endereço da instituição, no mesmo ano, passou a ser denominada Avenida Dr. Arnaldo.
No Hall dos Provedores, no Museu da Santa Casa de São Paulo, existe um busto realizado pelo escultor Pinto do Couto, fundido, em 1926, em bronze, com pedestal em granito rosa e placa de bronze. O Museu guarda ainda uma tela a óleo, de 1907, de Oscar Pereira da Silva, que retrata o célebre médico.
As obras que estão no Museu e a escultura que está nos jardins, próximo da Capela, desde 1921, lembram à comunidade de docentes, funcionários técnico-administrativos e alunos da Santa Casa a importância do Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho para a o ensino, a pesquisa e a assistência médica do Estado de São Paulo e do Brasil.
Bibliografia
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Arnaldo Vieira de Carvalho e a história da medicina paulista (1867-1920). Coleção Memória do Saber. Organizadoras Maria Amélia Mascarenhas Dantes e Márcia Regina Barros da Silva. Fundação Miguel de Cervantes, 1912.
CARNEIRO, Glauco. O poder da misericórdia: a Irmandade da Santa Casa na história social e política de São Paulo — 1560/1985. São Paulo, Press Grafic, 1986. v.1 il.
FARINA, Duílio Crispim. Medicina no Planalto de Piratininga. São Paulo. Pannartz, 1981. 336p.
Vieira de Carvalho, Arnaldo, pág. 1753 – Grande Enciclopédia Universal – edição de 1980 – ed. Amazonas.
Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Coordena o projeto @arteemtempodecoronavirus e é responsável pelo site www.oscardambrosio.com.br